Por colaboradores da consultoria iN*
A criatividade nunca tem um lado só. Ela se manifesta de muitas formas, com inúmeros processos e técnicas que, quando dominadas e bem executadas, podem ser surpreendentes. Normalmente, sua dinâmica é associada a uma pessoa que constrói e controla todo o processo. Jackson Pollock, nas artes plásticas, era dono de um estilo único de pintura. Jogava tinta em enormes telas no chão, e era dono de uma personalidade reservada. Tímido, atuou sozinho, com uma visão muito pessoal, durante sua carreira. O grupo de artistas conhecido como Fluxus, nos anos 60 do século passado, atuava de maneira oposta. Grande parte de suas criações eram coletivas, seja na construção de esculturas ou na edição de filmes. Para eles, o poder de diversas mentes beneficiava a criatividade.
No mundo do design gráfico e da construção de marcas de hoje, o processo criativo pode ser mal comparado ao do Fluxus – com reforço para a palavra “mal” por conta da natureza do grupo, que pregava suas criações como anti comerciais. Ele funciona muito bem a partir da troca de ideias e do espírito coletivo. Mantém ainda o conceito de grupo e da união de múltiplas disciplinas vistas na Bauhaus durante a República de Weimar (1919 – 1924). Naquele momento do design, buscou-se uma unidade entre artistas e artesãos para criar objetos e produtos que fossem úteis, necessários e integrados com a sociedade. Para criar, Moholy-Nagy, um construtivista húngaro da época, costumava defender “o uso desinibido de […] tamanhos de tipos, formas geométricas e cores”.
O processo de criação, quando composto numa troca de ideias entre talentos, carrega esta aleatoriedade, que por vezes acaba em uma falta de método que é importante. Diante de um briefing, é importante estimular uma etapa de tentativas e erros contínua. São rabiscos, cores, e fontes que surgem e desaparecem continuamente. As pessoas interferem no trabalho umas das outras, redefinindo rotas e formas rapidamente. É um processo muito natural, que precisa da espontaneidade flagrante e da velocidade das reações imediatas (positivas e negativas) causadas pelo impacto que uma imagem pode criar. À distância, como estamos agora, essa atmosfera de autenticidade se perde nos filtros da distância física e das falhas de conexão.
Desaparece a capacidade de se sugerir algo e se colocar as mãos, literalmente, sobre um projeto. A capacidade tátil é essencial na busca por soluções em uma equipe de designers. Os grupos de trabalho, em situações normais, levam suas coisas impressas, desenham por cima, com uma troca imediata de energias criativas. Apoiados pela tecnologia, o dinamismo e as trocas ficaram mais difíceis e mais burocráticas. Há menos conflito, e sem esse conflito de ideias, os resultados podem correr o risco de ficar menos adequados.
É da natureza do design, porém, questionar as formas e certezas que existem ao nosso redor, produzindo novas soluções para projetos. O isolamento parcial de equipes pode facilitar a criação de métodos e inspirar posturas que poderão até provar que o que sabemos até aqui pode ser revisitado e transformado. Tudo é muito novo, mas nossa experiência até agora demonstra como os designers têm entregas diferentes daquelas comumente vistas no escritório. Primeiro, há mais tempo para pensar e estabelecer processos. O poder de concentração aumenta, porque eles se ajustaram a ritos muito próprios e que atendem às necessidades dos clientes. Há quem tenha descoberto que a música alta dita o ritmo da criação. Em outros casos, uma pausa de uma hora para interagir com a filha pequena reforça capacidades lúdicas e age como combustível para as entregas. O estímulo para que cada um encontre seus rituais é, portanto, um grande facilitador para compensar a distância com ideias diferentes.
Percebemos que os trabalhos de design atual são, também, resultados da experiência de quarentena em nossas vidas. O filósofo Vilém Flusser dizia que o design é o desdobramento da experiência humana e um passo importante para o entendimento da nossa cultura. Assim como a criatividade não tem um lado só, os múltiplos desdobramentos desta crise serão de fato sentidos na forma como vemos e criamos nossos projetos na medida em que o mundo se desenha daqui para frente. Entre tentativas e erros, começamos a elaborar os processos criativos para uma nova realidade que se instalou. Os limites impostos, que aparentemente podem parecer cerceadores da criatividade, tornam-se justamente o combustível para uma nova forma de criar. E vemos que a criatividade não para.
*Elaborado por Fábio Milnitzky Sócio-fundador e CEO da iN; Maria Camilla Gianella, COO da iN; Caio Campana, diretor de Design da iN e Ivan Scarpelli, gerente de estratégia da iN. A iN é uma consultoria de branding