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Patrocínio com causa: uma nova experiência no futebol brasileiro

Por Ricardo Levy é presidente da Owly, consultoria de marketing esportivo

Gerar impacto positivo para a sociedade, por meio de ações de responsabilidade social ou de campanhas de engajamento em torno de uma causa, é um debate já bastante aquecido nos comitês de relações institucionais, comunicação e marketing em muitas organizações.

No entanto, é possível dizer que essa abordagem tão favorável para a reputação de inúmeras marcas infelizmente ainda não é tão explorada quanto poderia (e deveria) em algumas áreas muito presentes no cotidiano do brasileiro – todas elas capazes de oferecer um altíssimo potencial de visibilidade para temas de enorme importância coletiva.

Uma dessas áreas, por incrível que pareça, é o futebol – embora ele represente uma verdadeira paixão nacional, capaz de tocar o coração de milhões de homens e mulheres, meninos e meninas espalhados nos quatro cantos do Brasil.

A ampla visibilidade de clubes e jogadores dentro e fora de campo, capaz de gerar numa tarde de domingo uma média próxima dos 30 pontos de audiência na TV aberta (o que representa mais de 7 milhões de domicílios, pela medição do Ibope), representa um imenso potencial inexplorado. O mundo da bola precisa avançar com urgência como plataforma de conscientização coletiva em torno de diversas causas que interessam a nós brasileiros.

Não é difícil chegar a essa constatação. Basta nos darmos conta de que a quase totalidade dos patrocinadores – seja nos uniformes do clube, nos backdrops e placas de publicidade ou na própria transmissão televisiva – se limitam a exibir marcas de forma estática, sem verdadeiramente transmitir uma mensagem capaz de engajar ou influenciar a atitude de centenas de milhares de pessoas. Não tenho receio algum de cravar que isso significa uma grande oportunidade desperdiçada.

Além da exposição da marca

Mais do que vender bons produtos e serviços, as marcas precisam oferecer uma contribuição real e positiva para a sociedade.  Isso exige uma mudança na forma como elas se posicionam perante o público, o que vai muito além de gerar retorno financeiro ou expor a marca apostando tão somente na sua exposição pura e simples – e, muitas vezes, sem alma e tampouco conteúdo.

Campanhas de conscientização, ações afirmativas e iniciativas ligadas ao tripé da sustentabilidade (que buscam incentivar o desenvolvimento social, econômico e ambiental), só para citar alguns exemplos, precisam fazer parte do modelo de negócio das empresas. Mas é igualmente importante que essa postura fique bem clara para o consumidor, potencializando a publicidade e os contratos de patrocínio. E isso é algo que precisa ocorrer muito menos pela visualização da marca em si e muito mais pelo impacto que essas iniciativas geram na vida das pessoas.

Essa é uma das grandes tendências do momento. Segundo uma pesquisa realizada pela Ipsos, Cause, ESPM e Instituto Ayrton Senna para o Fórum de Marketing Relacionado à Causa, a maioria absoluta dos consumidores brasileiros (nada menos que 77% dos entrevistados) espera que as empresas contribuam muito mais para a sociedade hoje do que fizeram no passado. E um percentual ainda maior das pessoas (82%) é favorável a que as empresas atuem diretamente em benefício de um propósito.

Não restam motivos para que o futebol e outras áreas de alcance incalculável na rotina dos brasileiros não abracem causas relevantes e bem representativas no que diz respeito às nossas necessidades e desafios como nação e como sociedade.

Quebrando paradigmas

É verdade que, a cada ano, mais marcas enxergam a oportunidade de explorar a visibilidade dos campos para ampliar a mobilização a favor de muitas bandeiras, tais como segurança, educação, diversidade e combate à fome, entre outras. Ainda estamos bem longe de transmitir mensagens com a efetividade que o esporte pode fazer chegar a tantos torcedores apaixonados, mas algumas iniciativas começam a quebrar esse paradigma.

O Botafogo, um dos clubes mais tradicionais do futebol brasileiro, foi pioneiro ao abraçar um dos primeiros patrocínios com causa da modalidade no país. Em dezembro de 2020, o Glorioso assinou contrato com Centrum, suplemento vitamínico e mineral número 1 do mundo e marca da GSK Consumer Healthcare, para um novo modelo de parceria que ia além da exposição do logotipo no uniforme e em outras propriedades.

Ali teve início o projeto Botafogo Seguro, um movimento inédito de proteção à vida dentro e fora dos campos. O principal objetivo da iniciativa foi promover uma ampla conscientização em torno dos métodos de prevenção à Covid-19 reconhecidas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pelas autoridades brasileiras de saúde.

Em um cenário de rápido crescimento do número de casos e óbitos ligados ao novo coronavírus, Botafogo e Centrum compreenderam bem que o futebol tinha um papel crucial a cumprir naquele momento. Era preciso usar o grande alcance dos gramados, assim como o próprio ambiente das partidas de futebol, para alertar à população que usar máscaras, higienizar as mãos com água e sabão ou álcool em gel e manter o distanciamento social eram medidas capazes de evitar a superlotação dos hospitais e salvar vidas.

Para isso, o Estádio Nilton Santos, a casa do Botafogo, se tornou o primeiro do país a adotar medidas específicas de segurança sanitária, complementando os protocolos já exigidos por autoridades públicas e entidades esportivas. Foram instalados no local adesivos e placas de distanciamento, assim como dispensers e totens de álcool em gel a 70%, além do uso de protetor facial (face shield) por funcionários e atendentes. São medidas que garantiram a proteção dos públicos que não puderem deixar de frequentar o estádio durante a pandemia – como jogadores, comissões técnicas, equipe de arbitragem, funcionários e jornalistas.

Em defesa de múltiplas causas

O Botafogo Seguro também contemplou o incentivo e a valorização do futebol feminino, que foi muito impactado pela COVID-19. Foi assim que o projeto também assumiu o compromisso de investir na retomada dessa categoria como parte das ações de combate aos efeitos da pandemia, incentivando a presença da mulher no esporte. Esse apoio foi importante para que, ao longo desse ano, as gloriosas conquistassem o acesso à elite nacional, com uma vaga na Série A1 do Campeonato Brasileiro feminino, além do título do Campeonato Carioca da temporada 2020/2021.

A construção de imagem em cima do Botafogo Seguro foi tão positiva para Botafogo e Centrum que outras ativações importantes foram incorporadas ao projeto. Em junho, Mês do Orgulho LGBTQIA+, ambos lançaram a campanha “Ninguém Cala Esse Nosso Amor”, dedicada a realizar diversas iniciativas em apoio a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. O objetivo foi disseminar para todos os amantes do futebol um recado de grande impacto contra a LGBTfobia e a intolerância.

A principal ação da campanha foi o reconhecimento da primeira torcida do clube formada por membros da comunidade LGBTQIA+. O movimento também ganhou de presente uma faixa que passou a colorir as arquibancadas do Nilton Santos nos jogos do clube como mandante. Além disso, na primeira partida realizada após o Dia do Orgulho LGBTQIA+, e com transmissão em rede nacional, o elenco do Botafogo foi a campo com a mensagem “#AmorÉAmor” estampada no uniforme. As camisas, autografadas pelo elenco, foram depois leiloadas com 100% do lucro destinado à Casa 1, projeto que oferece acolhimento a jovens LGBTQIA+ que foram expulsos de suas casas.

Ampla exposição positiva

A defesa dessas causas e a realização de tantas iniciativas concretas, com resultados percebidos pelo público, fizeram parte de um movimento sem precedentes no futebol brasileiro – baseado em propósitos que renderam um grande retorno em termos de exposição e reputação tanto para o clube patrocinado quanto para a marca patrocinadora.

Foram 60 milhões de pessoas potencialmente impactadas pelo lançamento do Botafogo Seguro no dia 10 de dezembro de 2020, além de 1,1 milhão de impressões geradas nas redes sociais só nessa data – com direito à presença de Centrum entre os Trending Topics do Twitter, ocupando o primeiro lugar no Rio de Janeiro e o top 10 de temas mais comentados no Brasil. Sem falar na repercussão orgânica gerada na imprensa, com mais de 220 matérias publicadas que fizeram referência ao projeto desde o seu início até hoje.

Naturalmente, ao abraçar essas causas, Centrum não deixou de explorar atributos importantes da marca, ligados à saúde e à prática esportiva como forma de manter a imunidade e um corpo saudável. Mas a visibilidade gerada para a prevenção à Covid-19, a valorização do futebol feminino e o respeito à comunidade LGBTQIA+ renderam uma exposição muito positiva, com um modelo de patrocínio nunca visto no futebol brasileiro.

Mais do que simplesmente levantar bandeiras, foram realizadas ações concretas que só confirmam o potencial transformador do futebol e do esporte de um modo geral. Sempre de forma genuína, tendo como ponto de partida um lugar de fala assentado sobre valores como bem-estar e diversidade, tão bem representada no espectro colorido presente na marca Centrum.

O patrocínio com causa é uma grande tendência no mundo do esporte. Espero ver cada vez mais marcas recorrendo a esse modelo para disseminar mensagem importantes para milhões de pessoas Brasil afora, quebrando a barreira das quatro linhas do campo e superando os limites da mera exposição da marca.

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