Elaborado em parceria com a Gênero e Número, mapeamento expõe a expressiva falta de inclusão principalmente na tecnologia e inovação
Com o intuito de trazer números que ajudem a suscitar conversas embasadas dentro das empresas que buscam ter mais diversidade racial, a Squid, empresa de tecnologia líder em marketing de influência e comunidades do Brasil especializada em conectar creators às marcas, em parceria com a Gênero eNúmero, elaborou o estudo “Onde estão os negros no mercado de trabalho”, que aponta expressante falta de inclusão nas áreas da tecnologia além de apontar como a tencologia pode reforçar o racismo em alguns casos.
“Na Squid, acreditamos que um bom primeiro passo para mudar essa realidade é começando pelo debate. Por isso, criamos este material, feito em parceria com a Gênero e Número, procurando mostrar, baseado em dados, como a desigualdade racial no mercado de trabalho e, mais especificamente, na área de tecnologia, pode contribuir para que o racismo persista”, explica Keila Oliveira, analista de Impacto Social da Squid.
Mercado de trabalho
De acordo com a pnad 2019, o salário médio de homens brancos era de R$ 3.579, enquanto o dos negros era de R$ 1.970. As diferenças se mantêm mesmo entre quem tem a mesma escolaridade: entre homens não negros com ensino superior, a média salarial era de R$ 7.033, enquanto a dos negros era de R$ 4.834. Quando se trata de cargos de liderança, as diferenças são ainda mais acentuadas: apenas dois entre cada dez profissionais em cargos de liderança em empresas privadas são negros, conforme dados de 2018 do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (caged).
O problema foi ainda mais evidenciado durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, como reforça Lúcia Xavier, coordenadora da ong Criola, em entrevista a Gênero e Número, “o coronavírus não tem nada de democrático. Ele tem ‘preferências’, e os negros são um dos grupos preferidos dele”. A taxa de desocupação no mercado, que antes do período era de 14,1% entre negros e de 9,6% entre brancos, passou a ser de 16,5% entre negros e 11,5% entre brancos, conforme dados da pnad. E entre as mulheres negras isso se amplia, em outubro de 2020 havia 7,1 milhões de mulheres em busca de trabalho no Brasil, sendo que 4,4 milhões delas eram negras.
Tecnologia e Inovação
Ao longo do report observou-se a falta de diversidade nas empresas principalmente na área de tecnologia e inovação. Os funcionários do setor são, em sua maioria, homens brancos, heterossexuais e de classes sociais média ou alta, segundo levantamento do coletivo PretaLab com a consultoria ThoughtWorks.O levantamento realizado pelo PretaLab mapeou somente 570 mulheres negras e indígenas no Brasil dos 17 aos 67 anos envolvidas com tecnologia. Mais da metade têm interesse em desenvolver iniciativas na área, embora somente 20% delas conheçam projetos que juntem mulheres negras e indígenas à tecnologia.
Com baixo incentivo para que as mulheres negras e indígenas se envolvam com tecnologia e inovação, o levantamento mostra que a principal porta de entrada desse público na área é o aprendizado informal (opção escolhida por 52% das entrevistadas), seguido pelo “empreendedorismo digital”, que ficou na segunda posição entre as 18 opções de modalidades de envolvimento com o campo tecnológico.
Educação
O estudo aponta também que quando o assunto é educação, o analfabetismo atinge 8,9% das pessoas pretas ou pardas, enquanto as pessoas brancas somam 3,6%, em um total de 11 milhões de brasileiros analfabetos, ou seja, 6,6% da população. Os dados são da pnad de 2019. A proporção de negros com a mesma escolaridade nessa faixa etária é de 9,3%, conforme pesquisa realizada pelo Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) em 2017.Os índices, porém, têm melhorado, de acordo com dados do IBGE. O número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400% entre 2010 e 2019. Os negros somam 38,15% do total de matriculados. No entanto, apesar da alta, o número ainda está abaixo da representatividade no conjunto da população total.
Como a tecnologia reforça o racismo?
O e-book da Squid, também traz discussões atuais nas quais as empresas tech devem estar de olho, como o racismo algorítmico, em que os algoritmos discriminam imagens ou conteúdos digitais de pessoas negras ou não brancas. Buscadores como o Google, por exemplo, podem reforçar o racismo, conforme a pesquisadora e professora da Universidade da Califórnia, Safiya Umoja Noble, escreveu em seu livro, Algorithms of Oppression. Ela começou a se interessar pelo tema quando pesquisou pelo termo “black girls” (em português, garotas negras) e observou que a primeira página trazia resultados de conteúdo pornográfico, fazendo uma associação de cunho racista.
Após denúncias feitas por usuários em 2020, o Twitter constatou, no ano seguinte, que seu algoritmo de corte de fotos era mesmo racista.O algoritmo foi criado para melhorar a visualização de imagens no feed da rede social. Ao publicar uma foto grande demais ou fora das proporções aceitas, a plataforma automaticamente escolhia uma parte da imagem para exibir, dando prioridade a rostos humanos. Para ver a imagem completa, era preciso clicar nela. O problema é que alguns internautas perceberam que o sistema priorizava rostos brancos em vez de negros quando fazia o corte.
Após um estudo interno, a rede social anunciou que passaria a exibir fotos sem cortes, com a possibilidade de uma visualização real da imagem no campo de composição de tuítes, para que o usuário saiba como a publicação ficará antes de publicá-la.
Tiktok
Em 2021, o TikTok foi acusado de censurar palavras como Black Lives Matter (vidas negras importam),prejudicando campanhas contra o racismo. O problema foi apontado por um usuário, que tentou adicionar frases de suporte à causa em sua bio e teve o conteúdo marcado como impróprio. A rede social disse que o erro foi resultado de um filtro automático para bloquear palavras de incitação ao ódio. Segundo um porta-voz da plataforma, “nossas proteções do TikTok Creator Marketplace, que sinalizam frases normalmente associadas à incitação ao ódio, foram erroneamente configuradas para sinalizar frases sem respeito à ordem das palavras”.
Usuários que assistiram a um vídeo que mostrava homens negros, publicado em junho de 2021 pelo jornal britânico Daily Mail no Facebook, receberam uma sugestão da plataforma perguntando se gostariam de “continuar assistindo vídeos de primatas”.Depois disso, a rede social desabilitou as recomendações feitas pela inteligência artificial, e disse que está investigando se há um problema de racismo em sua I.A.
“Os vieses racistas são reflexo de uma sociedade com estruturas também racistas. Se não tivermos pessoas negras no mercado de trabalho e na área de tecnologia mais especificamente, o mais provável é que esse problema persista”, reforça Keila.